Martin Scorsese apresenta Shutter Island em Berlim - um magistral exercício de estilo barroco e garrido, entre Fritz Lang, Mario Bava e Brian de Palma.
Um hospital psiquiátrico numa ilha isolada ao largo de Boston, uma paciente desaparecida, dois marshals federais e um corpo clínico relutante em ajudar a investigação. São os ingredientes ideais de um bom "mistério de casa fechada" como Hollywood os fazia nos anos 1930 e 1940.
Nas mãos de Martin Scorsese, no entanto, o resultado é outra coisa e chama-se Shutter Island - um filme de terror gótico e barroco onde Leonardo di Caprio, no papel de um detective traumatizado pelas suas experiências na II Guerra, desce aos infernos onde a realidade e a loucura se fundem.
Apresentado fora de competição na selecção oficial de Berlim em antecipação ao lançamento internacional (na próxima sexta-feira nos EUA e noutros países, em Portugal dia 25), Shutter Island é - um pouco à imagem do Ghost Writer de Polanski - um exercício de estilo, um pretexto para demonstrar à saciedade o domínio absoluto da linguagem do cinema, trabalhando dentro das coordenadas de género com um virtuosismo quase ofensivo.
Faz sentido que assim seja - não é novidade para ninguém que Scorsese é um cinéfilo e que alguns dos seus projectos mais recentes têm sido movidos pelo desejo de revisitar os géneros clássicos de Hollywood (o biopic de O Aviador, o policial anos 1970 em The Departed - Entre Inimigos). Para Shutter Island, adaptando um romance do escritor policial Dennis Lehane (autor de Mystic River e Vista pela Última Vez...), os pontos de referência foram as séries B fantásticas que Val Lewton produziu e Jacques Tourneur dirigiu para a RKO, os films noirs dos anos 1950, o documentário de Frederick Wiseman sobre asilos psiquiátricos Titicut Follies - e, sobretudo, as cores garridas e saturadas do giallo italiano e dos seus cultores maiores, Mario Bava e Dario Argento.
Faz sentido que assim seja - não é novidade para ninguém que Scorsese é um cinéfilo e que alguns dos seus projectos mais recentes têm sido movidos pelo desejo de revisitar os géneros clássicos de Hollywood (o biopic de O Aviador, o policial anos 1970 em The Departed - Entre Inimigos). Para Shutter Island, adaptando um romance do escritor policial Dennis Lehane (autor de Mystic River e Vista pela Última Vez...), os pontos de referência foram as séries B fantásticas que Val Lewton produziu e Jacques Tourneur dirigiu para a RKO, os films noirs dos anos 1950, o documentário de Frederick Wiseman sobre asilos psiquiátricos Titicut Follies - e, sobretudo, as cores garridas e saturadas do giallo italiano e dos seus cultores maiores, Mario Bava e Dario Argento.
Se tivéssemos que definir Shutter Island, aliás, seria uma espécie de "cadáver esquisito", um giallo hiper-estilizado que invoca ao mesmo tempo o Dr. Mabuse de Fritz Lang e as armadilhas narrativas a que um contemporâneo do realizador, Brian de Palma, nos habituou ao longo dos anos. Trabalhando com o director de fotografia Robert Richardson, filmando como se houvesse sempre (e, quase sempre, há mesmo) um detalhe inexplicavelmente fora do sítio, Scorsese delicia-se a construir um pesadelo claustrofóbico. Mergulha(-nos) progressivamente mais fundo numa "teoria da conspiração" onde já nada é o que parece, à medida que o marshal interpretado por Leonardo di Caprio se vê obrigado a confrontar a terrível verdade: a sua visita ao instituto psiquiátrico de Ashecliffe, alegadamente para investigar o desaparecimento inexplicável de uma paciente, pode não passar de uma enorme mistificação com intuitos sinistros. E não se pode confiar em ninguém, mas mesmo em ninguém (e voltamos a sublinhar: em ninguém).
Já o dissemos e voltamos a repetir, Shutter Island é um espantoso exercício de virtuosismo formal, um manual de como bem filmar, montar, organizar. Um exemplo: a extraordinária banda-sonora, escolhida pelo velho cúmplice Robbie Robertson, é uma colecção de peças de música contemporânea de autores como Krzsyztof Penderecki, György Ligeti ou John Cage, que amplificam a sensação de paranóia e opressão dos cenários. Outro: a justeza do luxuoso elenco, onde brilham ainda Mark Ruffalo, Ben Kingsley e Michelle Williams. É, além do mais, um filme que ganha em ser revisto, para se apreciar a meticulosa precisão com que tudo foi montado por um mestre cineasta.
Já o dissemos e voltamos a repetir, Shutter Island é um espantoso exercício de virtuosismo formal, um manual de como bem filmar, montar, organizar. Um exemplo: a extraordinária banda-sonora, escolhida pelo velho cúmplice Robbie Robertson, é uma colecção de peças de música contemporânea de autores como Krzsyztof Penderecki, György Ligeti ou John Cage, que amplificam a sensação de paranóia e opressão dos cenários. Outro: a justeza do luxuoso elenco, onde brilham ainda Mark Ruffalo, Ben Kingsley e Michelle Williams. É, além do mais, um filme que ganha em ser revisto, para se apreciar a meticulosa precisão com que tudo foi montado por um mestre cineasta.
Mas fica também a sensação que esse virtuosismo formal é ele próprio uma mistificação, uma maneira de desviar as atenções que, ao mesmo tempo que revela a premissa essencial do filme como uma meditação sobre a realidade, a mascara como simples entretenimento descartável (até a escolha de Di Caprio para o papel principal joga com isso). Ao fim das quase duas horas e meia, ficamos aliviados quando identificamos a solução do mistério - e quando damos por nós a perguntar se o mistério ficou realmente resolvido, percebemos que Scorsese ganhou o jogo.